Embocaduras nos Cavalos

9 03 2011

Antes de começar a tratar do assunto em questao, quero fazer uma declaração de interesse.

Toda a minha vida fui cavaleiro de obstáculos e nunca me interessei muito por provas de adestramento, apesar de ter tomado parte em algumas, e de ter feito parte de alguns júris de Ensino. Mas não era falta de interesse pelo ensino do cavalo, pois sempre pensei que isso era uma necessidade absoluta para tomar parte em provas de obstáculos. E a prova de que sempre pensei assim, está na publicação do meu livro Equitação. Como e Porquê” que trata, fundamentalmente, do ensino do cavalo de obstáculos, levando-o a manter-se “sobre a mão”, mas não chegando ao ponto de o obrigar ao nível de “cavalo na mão”, obrigatório para se fazerem provas de Ensino.

O que eu quero dizer é que tudo o que afirmo, nas linhas que vão seguir-se, se refere ao ensino e utilização do cavalo de obstáculos (Equitação Complementar) e não deve ser entendido como tendo aplicação na preparação de cavalos para praticarem a Equitação Superior, necessária para a participação em provas de Ensino. Pois são preparações completamente diferentes.

Vou, portanto, agora, entrar no assunto que me interessa.

A EQUITAÇÃO É A ARTE DE APERFEIÇOAR OS ANDAMENTOS NATURAIS DO CAVALO

Onde é que eu já ouvi esta definição a propósito de uma disciplina humana? Se bem me lembro esta definição (aperfeiçoar os andamentos naturais), aplicada à actividade humana, cola-se, como uma luva, ao ballet. E como não pode haver ballet sem equilíbrio, também não pode haver equitação sem ele.

E é aqui que se encontra a grande diferença entre a equitação e as apresentações de habilidades com animais que vemos nos circos (domesticação). Aqui, eles fazem “as coisas” da forma mais fácil, mas não como exercícios ginásticos com a exigência a que nós obrigamos os nossos cavalos. E com as exigências a que os bailarinos e bailarinas se obrigam a si próprios.

É observar como eles e elas se movem, em andamentos perfeitos ou em saltos, só possíveis em quem tem um domínio absoluto do equilíbrio e o mantêm sobre cada um dos pés, para que o movimento se faça com uma cadência lenta e linda. O homem, para se equilibrar, tem os seus CONTRA PESOS (tronco e braços) de cujos gestos e/ou posições se serve para atingir o seu objectivo.

É isso mesmo que temos que exigir ao nosso cavalo: equilíbrio perfeito sobre as bases unipedais, bipedais ou tripedais, conforme o andamento exigir a cada momento. Porque uma coisa é certa: sem equilíbrio, qualquer coisa que um cavalo faça, por mais bonita que seja, não é EQUITAÇÃO. Partamos dos velhos princípios do Gen. L’Hotte (calmo, para diante, direito e ligeiro) ou da moderna escala de treino alemã e teremos que concluir que o objectivo a atingir é sempre a perfeição do equilíbrio. O cavalo para se equilibrar também tem um CONTRAPESO  (pescoço) de cujos gestos e/ou posição se serve.

Por isso eu digo que EQUITAÇÃO É EQUILÍBRIO, querendo com isto significar que o seu aperfeiçoamento é o principal objectivo, a procurar em qualquer fase do ensino, se queremos chegar a um resultado significativo seja qual for a modalidade equestre escolhida.

E quais são os meios de que o cavaleiro dispõe para conseguir alcançar estes objectivos? O cavaleiro, para exercer a sua influência sobre o cavalo, tem à sua disposição as mãos, as pernas e o peso do corpo.

Comecemos pelo estudo resumido deste.

Uma impecável colocação em sela é indispensável para nos servirmos bem desta arma. Peso à frente ou atrás é conseguido por inclinação do tronco. Peso de um lado (por exemplo o direito) é conseguido por peso no estribo direito, para o que o cavaleiro chega o assento para a direita (sentando-se sobre a nádega esquerda) conseguindo assim esse objectivo. A maior parte dos autores aconselha os cavaleiros a porem-se sobre a nádega direita. Isto para mim não faz qualquer sentido, como já escrevi num artigo publicado na Revista Equitação. (Veja-se figura junta).

Passemos agora ao estudo, também resumido, da acção das pernas.

As pernas, actuando por batimentos ou por aumentos sucessivos de pressão, junto da cilha, indicam ao cavalo que deve aumentar a impulsão com que se está a deslocar. Se a mão deixa passar a impulsão temos como resultado um aumento do andamento. Caso negativo, temos como resultado um aumento da elevação do andamento e, portanto, do equilíbrio. É o caso em que temos as chamadas pernas de impulsão.

Uma perna sozinha, actuando junto à cilha, por aumento de pressão, pede ao cavalo que se encurve em torno dela.

Temos aqui a perna de encurvação,

Uma perna sozinha, actuando na direcção da anca oposta, faz deslocar a garupa para o lado oposto. E temos neste caso a perna de posição que tem, simultaneamente, o efeito de encurvar o cavalo também para o lado oposto.

Nesta foto Rodrigo Pessoa monta HH Rebozo com um «Hackamore»
A propósito de Embocaduras
Até aqui foi uma introdução ao assunto em título. Porque a equitação não é uma arte que se possa tratar em capítulos, tem que haver uma noção de conjunto na cabeça dos cavaleiros (equitadores), para que a selecção dos objectivos a atingir, em cada fase do ensino, seja correcta em termos de se conseguir uma progressão, que não só não provoque sofrimento ao cavalo, como conduza a um resultado harmonioso no melhoramento dos seus andamentos naturais.

Para isso, depois de termos estudado as ajudas constituídas pelo peso do corpo e pelas pernas, vamos dizer qualquer coisa sobre o emprego das mãos. E, assim, teremos passado em revista, todos os meios de que cavaleiro dispõe para exigir qualquer exercício ao seu cavalo.

As mãos actuam sobre o cavalo através das rédeas que estão ligados a um “ferro” (que pode não ser de ferro), colocado na boca do cavalo, e que por isso tem o nome genérico de “embocadura”.

Nos tempos em que eu aprendi, havia três termos que eram muito usados para significar o modo como o cavaleiro devia sentir o cavalo através dos ferros. E usávamos os termos de apoio, encosto e contacto: o cavalo devia apoiar-se na mão, devia encostar-se á mão, ou devia tomar contacto com a mão. Para mim os termos encostar ou tomar contacto, eram semelhantes. Já o mesmo não acontecia com o apoio. Eu considerava apoio a “força” que o cavalo queria fazer na mão do cavaleiro, e contacto a “força” que o cavaleiro queria que o cavalo fizesse, o que eram coisas completamente diferentes. Há algum tempo a FEI definiu o contacto de uma maneira maravilhosa: é a maneira constante, suave e flexível como o cavalo se instala na mão do cavaleiro. Gostava de saber quem foi o autor do termo instala para lhe transmitir os meus parabéns pela proposta de adopção deste termo maravilhoso que traduz, de forma brilhante, aquilo que pretendemos do cavalo.

Mas o que tem tudo isto a ver com as embocaduras? A equitação não é uma arte em que possamos separar em capítulos os seus elementos constitutivos, como disse acima. Tudo tem a ver com tudo. Pois não podemos separar as acções das mãos, das pernas ou do peso do corpo. Todas têm que trabalhar no mesmo sentido, em função do pedido que queremos fazer ao cavalo. E como as mãos se põem em contacto com o cavalo através da embocadura, é importantíssimo que esta não prejudique, ou melhor, que ajude a encontrar o “contacto” ideal.

O cavalo e o cavaleiro são dois seres vivos, cada um com as suas características peculiares. E que têm que se pôr de acordo para que o cavaleiro possa conseguir a boa vontade do cavalo, de modo a levar este a movimentar-se como o cavaleiro quer.

A maioria dos autores preconiza que o cavalo deve ser trabalhado em bridão até bastante tarde. Mas aparecem, por vezes, cavalos que, por deficiências de temperamento e/ou físicas, têm dificuldade de se deixarem sujeitar com esta embocadura. Por outro lado existem cavaleiros a quem falta aptidão suficiente para, com ela, resolverem estes casos mais difíceis. E é esta a razão pela qual, quando chegamos a uma loja da especialidade, a encontramos cheia das mais variadas e extravagantes embocaduras que o génio humano inventou. E se lá estão é porque se vendem.

Todos nós temos em casa sofás ou cadeiras nos quais nos “instalamos” da melhor maneira possível. E quando os compramos é essa a finalidade primeira que preside à nossa escolha. Pois com as embocaduras devemos procurar a mesma finalidade. Escolhermos aquelas, nas quais o cavalo se “instala” melhor, de modo a estar mais receptivo a obedecer, com boa vontade, às exigências que o cavaleiro tiver por bem fazer-lhe. E esta escolha não se consegue, muitas vezes, à primeira tentativa. Esta é uma ciência difícil, que demora muitos anos a aprender, pois é preciso ter usado muitas embocaduras para se poder prever o resultado que vão ter no nosso problema actual. E escolhida uma, que resulte, verifica-se muitas vezes que, passado um certo tempo, já não é aquela a embocadura ideal, pois o cavalo passou a outra fase. E passou a outra fase porque, se o trabalho foi bem feito, o cavalo começa a obedecer às ajudas cada vez com maior suavidade. E há que responder a esta transformação procurando outra embocadura, mais suave, na qual o cavalo tome um contacto franco, isto é, se instale na mão do cavaleiro com um “á vontade” que o leve a obedecer com boa vontade.

Este é o caso normal para cavalos com uma boa morfologia. Mas apanhamos, por vezes, cavalos com deficiências morfológicas e ou comportamentais e, para estes, há que modificar o caminho. Quando montamos cavalos que não dão facilmente o contacto por estas razões, temos primeiro que usar uma embocadura suave (por exemplo, o bridão de borracha) para que ele tome um contacto constante, e até um pouco forte. Só conseguido isto, vamos mudar para uma embocadura mais forte (bridão de bocado grosso), para que ele nos obedeça com um contacto menos forte (mais ligeiro). E, á medida em que ele vai confirmando o contacto franco, podemos progressivamente ir mudando para bridões mais finos, de modo a conseguirmos o contacto com a ligeireza que pretendemos. Em vez de procurarmos embocaduras progressivamente mais suaves, vamos procurar embocaduras progressivamente mais fortes.

Estas conclusões foram o resultado de anos de pesquisa equestre a que toda a vida me dediquei. Pesquisa resultante de EXPERIMENTAÇÕES – COMPARAÇÕES – CONCLUSÕES que toda a vida fiz.

Os raciocínios descritos levam-nos a mais facilmente “adivinharmos” qual a embocadura que devemos utilizar em cada circunstância.

Porque há uma verdade que é preciso afirmar. Não são as embocaduras que ensinam os cavalos, mas sim os exercícios ginásticos a que os sujeitamos, e a aplicação constante dos princípios básicos da equitação: “mãos sem pernas e pernas sem mãos” e “toda a acção de mãos deve ser precedida de uma acção de pernas”.

Saber escolher a melhor embocadura apenas nos ajuda a, mais depressa, encontrar o contacto óptimo para trabalharmos o nosso cavalo.

De uma maneira geral devemos utilizar, para começar, as embocaduras mais simples e próximas do bridão. Alguns exemplos.

• Bridão de borracha – bom para cavalos que têm dificuldade em manter um contacto constante com a mão.

• Bridão elevador – aconselhável para cavalos que querem tomar um contacto demasiado forte com a mão.

Muito perigosa para cavaleiros com mão pouco educada, pois exige uma grande precisão na cedência, quando o cavalo cede. O bridão Pessoa tem uma acção parecida com o elevador, embora mais suave.

• Pelham – de borracha – tem as mesma vantagens que o bridão de borracha – aconselhável para cavalos que têm dificuldade em dar a flexão da nuca.

• Bridões ou Pelham de bocado inteiro – desaconselhados por serem muito violentos e, portanto, só devem ser usadas por cavaleiros com uma mão muito educada.

• Freio e bridão – aconselhável numa fase adiantada do ensino do cavalo.

• Hackamore – não sei se deve ser considerado “embocadura” por trabalhar no chanfro do cavalo e não na boca. Muito bom para utilização de cavalos difíceis, mas não para o seu ensino. Tudo o que está escrito sobre “a mão” tem aplicação na utilização do hackamore.

Estes são apenas alguns exemplos tipo, pois a variedade que se encontra à venda é tão numerosa que não é possível descrever todas as embocaduras existentes.

Disto tudo quero sublinhar: as embocaduras inventaram-se para serem usadas, e foram-no porque algum cavaleiro, com elas, tirou melhores resultados com um determinado cavalo. Mas é preciso cuidado com o seu uso pois, se violentas e usadas por cavaleiros sem boa mão, são como navalhas de barba em mãos de macaco. E os cavalos não nasceram para serem usados com sofrimento, mas acarinhados e educados como um filho: com exigência e amor.

QUEM NÃO AMAR OS CAVALOS NÃO PODE SER BOM CAVALEIRO!

 

escrito por Cl. netto de Almeida

fonte: equisport-pt

 

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